Conta-se que nos primórdios da civilização não havia distinção entre burro e cavalo, embora fisicamente os animais fossem diferentes. Ambos eram domados para atender aos serviços de transportes de pessoas e de cargas. Quem os domesticavam eram exímios domadores que suportavam solavancos, pulos e rabichadas dos animais por um longo período de tempo, sem cair. Os animais rodopiavam tanto que os profissionais que os amansavam passaram a ser chamados de peões. Assim, uma das mais antigas profissões de que se tem notícia é a do peão. Seu trabalho consistia em montar o animal bravio para domá-lo. O peão era sempre um perseverante – montava e o animal pulava tanto que o peão acabava, invariavelmente, no chão. Montava de novo e, após várias escaramuças e peripécias do animal, lá estava ele de novo no chão.
Com o tempo, o ímpeto do animal ia se arrefecendo até que ele já não mais tentava derrubar o peão. Era o sinal de que o bicho estava pronto para prestar relevantes serviços ao seu dono. E o peão começava tudo de novo. Procurava outra piara bravia para domar, pois esta era sua vida.
Tinha como profissão montar. E o irracional tinha como instinto saltar . A reação normal e esperada era de que o onagro mais cedo ou mais tarde derrubaria o peão, que, com paciência e perseverança, lhe montaria de novo. Fazia parte da regra tacitamente aceita pelas partes montar, pular e cair. Assim, os tombos que o domador tomava estavam no contexto de risco do negócio.
Porém, havia um tipo de animal, de orelhas maiores e de crina e cabeça pequena, que, além de derrubar o peão, dava-lhe um coice. Este ato de brutalidade e de força deixava o peão indignado. Ele ficava sem entender porque, depois de estar no chão, ainda era maltratado. Isso fazia com que o peão guardasse ressentimentos e rancores e começasse a idealizar a oportunidade de desforra. Esperava um momento certo, com a idéia fixa de que sua hora chegaria. Algum tempo depois, quando o animal estava plenamente domado, o peão lhe reservava os serviços mais pesados, por tempo indeterminado, além de maltratá-lo com esporadas e chicotadas durante a execução dos trabalhos.
O tempo ia passando e as mesmas cenas se repetiam: o peão montava, caía, recebia o coice, se chateava, se recuperava e se vingava.
Esta seqüência de fatos deu a origem ao nome de “burro” para este tipo de animal. Burro porque não via a correlação entre a causa e efeito. Não percebia nada a médio e longo prazos. Não enxergava o óbvio: depois de se derrubar o peão, não há necessidade de se dar o coice…
Recorro a esta “estória” todas as vezes que converso com empresários sobre a necessidade de redução do quadro de empregados. As empresas não podem deixar de adequar o seu contingente às necessidades do momento. Enxugamento de quadros, eliminação de níveis hierárquicos, terceirização, reengenharia, qualidade total etc. são formas de atender a uma necessidade cada vez mais premente das organizações: tornarem-se competitivas para garantir a sobrevivência nos dias atuais.
Porém, as empresas podem atingir seus objetivos sem esquecer de que é vital para o ser humano a manutenção de sua dignidade. O empregado entende as reais necessidades das organizações e até espera ser demitido, mas deseja cair de pé. Também recorro a este mesmo caso quando, por razão de conjuntura econômica ou política, os sindicatos estão enfraquecidos. É neste momentos que a relação de respeito e consideração se faz mais que necessária. É aí que se estará plantando o que se vai colher na retomada do crescimento econômico.