Deve haver punição no caso de participantes de um programa de treinamento que não se dedicam como o esperado? Se sim, que tipo de punição? Se não, como fica a relação com os outros participantes do treinamento, que se dedicam como o esperado? Em uma empresa, considerar que “todos são adultos e sabem o que querem” é válido? Até que ponto? Quais os graus de punição que podem / devem ser adotados em um projeto? Deve haver espaço para “casos especiais”?
Resposta de Carlos Pessoa
Michel Foucault, pensador e epistemólogo francês, inicia seu festejado livro “ Vigiar e Punir”, narrando um episódio ocorrido em Paris, em 1757, quando Damiens fora condenado a pedir perdão publicamente diante da porta principal de Igreja, aonde deveria ser levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras…
Na obra, Faucoult nos alerta que a punição não é um bom método nem o melhor caminho para a ressocialização do delinqüente. Se não é um bom caminho para o sistema carcerário, não o será, certamente, no ambiente empresarial, quando precisamos de empregados satisfeitos, motivados, produtivos.
A questão que se nos apresenta, a da punição ou não de empregados que não se dedicam como esperado em um programa de treinamento, nos leva a um raciocínio mais amplo, muito anterior ao ponto deste questionamento.
Precisamos definir previamente em que contexto estamos raciocinando.
Temos duas grandes áreas que são chamadas genericamente de treinamento dentro das organizações e que são: o treinamento e o desenvolvimento.
O treinamento é operacional e o desenvolvimento é educacional.
Quando se verifica a necessidade de um treinamento que comumente se chama de operacional, como, por exemplo, para operar um novo equipamento ou para uma adaptação a uma nova tecnologia, as avaliações devem serem feitas periodicamente de modo a proporcionar correções de rumo e o resultado deve ser medido ao final do mesmo. Aqueles que lograrem êxito devem ser aproveitados dentro dos objetivos traçados. Aqueles que, apesar de todas as correções de rumo desenvolvidas durante o curso, não obtiverem o êxito esperado, devem ser desligados da empresa. Esta já é uma dura punição e portanto somente deverá ser aplicada se fizer parte da regra estabelecida e de conhecimento do candidato. Neste caso o treinamento faz parte da seleção dos candidatos e aqueles que não alcançarem os resultados esperados sabem que não serão aproveitados.
Entretanto, devemos considerar que nas empresas as pessoas realizam seus objetivos profissionais e pessoais. E as empresas devem entender e propiciar um ambiente adequado para que isso aconteça.
Quando uma empresa investe no desenvolvimento de seus empregados, prepara-os para a vida, dentro ou fora dos muros da empresa. Nestes casos, há interesses recíprocos. A empresa quer desenvolver aqueles empregados que demonstram ter potencial para ocupar cargos mais elevados no futuro. Por sua vez o empregado deseja desenvolver suas habilidades e competências para estar preparado para eventuais oportunidades, dentro ou fora da empresa. Isto deve fazer parte da regra do jogo.
Alguns treinamentos são raros e caros e as empresas correm o risco de, após a sua conclusão, o empregado pedir para se desligar atraído por oferta melhor de emprego. Neste casos, torna-se imprescindível que se celebre um contrato de permanência ou de indenização para que as empresas que investem em seus empregados não sejam meras formadoras de mão-de-obra especializada para as concorrentes.
Neste aspecto não devemos considerar a eventualidade de aplicação da multa como uma punição ou castigo e sim, do rompimento de contrato celebrado entre as partes.
Então o que fazer quando o empregado participante de treinamento, não cumpre adequadamente com suas obrigações?
Em primeiro lugar a empresa deve aperfeiçoar o seu sistema de seleção. Quer seja para participar de treinamento operacional ou de desenvolvimento do seu potencial, o empregado deve ser selecionado adequadamente e isto implica considerar que eventos dessa natureza trás benefícios mútuos, para empregados e empresas. Se o treinando não percebe isto e não cumpre com suas obrigações, provavelmente houve erro na escolha do participante.
Deve-se considerar que o treinamento não é estabelecido nas organizações para corrigir erros de seleção. O treinamento pode ser considerado como um catalisador de tendências. Se for apropriadamente aplicado o empregado acelera o seu aprendizado e se desenvolve em direção aos objetivos organizacionais. Mas se o treinando não tem o perfil adequado o seu desenvolvimento pode não se dar na direção desejada. Nesta hipótese, não há punição que o redirecione.
As organizações devem investir na educação, melhorando a qualificação das pessoas para melhorar sua empregabilidade. A médio prazo elas terão menos punições, e com melhor nível educacional, será possível melhorar também o nível motivacional e a produtividade, que deve ser um objetivo organizacional permanente.
De nada adiante enfrentar o problema sem analisar suas causas – e a área de Desenvolvimento ou Treinamento empresarial deve ser considerada como área estratégica, capaz de integrar sonhos e aspirações das pessoas com as expectativas das empresas. Punir não deve fazer parte deste contexto.
Quando falamos em punição, na maioria das vezes, estamos pensando em castigo
Um castigo é uma sanção usada para reprimir uma conduta considerada incorreta ou inadequada. Os castigos podem ter caráter educativos, se aplicado em casa ou na escola, disciplinar, se aplicado em ambiente formal como nas empresas e judiciais, quando sentenciados pela justiça.
Em um ambiente de desenvolvimento, de crescimento profissional e pessoal, de perspectivas de retorno do investimento, a punição ou castigo não seria, nem de longe, uma conduta esperada de uma organização que administra seus Recursos Humanos com eficácia, que seleciona adequadamente as pessoas para participarem de seus programas de capacitação. Isto somente seria admitido em casos de extrema gravidade e com investigação das causas da não adaptação do individuo ao programa estabelecido para ele.
Ainda assim, tal atitude deveria ser precedida de uma avaliação criteriosa, com um firme compromisso com o processo de aprendizagem que seja capaz de identificar causas e efeitos e, acima de tudo, deveria ser um significativo elemento auxiliar no binômio ensinar-aprender.
A área de Treinamento em qualquer organização deve ser considerada como um território neutro, onde as idéias devem ser expostas com liberdade e para isto é fundamental um clima de confiança. E um ambiente punitivo certamente não propiciará este clima.